Roma (Agência Fides) - Segundo uma convicção religiosa muito difundida, o comportamento missionário do cristão seria primeiramente expressão de uma sua disponibilidade ativa, generosa e altruística, pronta a anunciar o Evangelho até as tribos mais remotas e selvagens dos países menos civilizados. Parece menos evidente aquilo que é, na realidade, “o ser missionários”: reflexo, resposta do fiel ao dom de Deus, acolhimento e epifania da Sua originária Caridade. É verdade que o Evangelho de Mateus se conclui com a palavras de Jesus: “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos” (Mt 28, 19), que é completada pela afirmação final do mesmo capítulo, “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20; cf. 1,20).
Compartilhar o dom de Deus é uma exigência essencial da caridade, que o Espírito depõe no coração do discípulo de Jesus: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21). A disponibilidade de levar a Boa Nova do amor de Deus até os extremos confins da terra não é algo que brota originariamente do coração humano, em força da sua especial graça ou de uma vocação à comunhão universal: é antes de mais nada Deus, amor originário e fontal, o princípio metafísico daquela caridade descrita pelos escolásticos como bonum diffusivum sui.
Deus é essencialmente dom de si, incessante e inesgotável gratuidade de um Amor que por essência se efunde, se comunica, até cria o homem para entrar com Ele em uma relação interpessoal. Como conseqüência, a dinâmica do amor humano não é somente uma admirável pedagogia que ensina ao homem como se tornar sempre mais imagem de Deus, mas é o resplandecer na criatura humana daquela imagem divina segundo a qual foi pensado, querido e criado.
A Virgem Maria, protótipo exemplar da missionariedade
Não é muito comum nem facilmente compreensível, para além de uma genérica devoção mariana, a invocação de Maria como Rainha dos Missionários. De fato, nem os Evangelhos nem os Atos dos Apóstolos nem as Leituras de S. Paulo falam de um envolvimento direto e explícito da Virgem no anúncio do seu Filho. Mas, refletindo bem, quem foi mais missionário do que a Virgem Maria? Quem, mais do ela, foi envolvida no mistério da salvação universal? É, de fato, através dela, Mãe de Deus, que o Pai quis doar o Seu Filho a todos os homens. E através da sua humildade, da sua fé, da sua disponibilidade ao desenho de Deus, teve início a nova economia salvífica, o eschaton, a definição dos últimos tempos: a Encarnação do Verbo.
Maria exemplifica, com a sua virginal maternidade, uma missionariedade vividas em todas as fibras do ser: a obediência à Palavras de Deus a tornou, como disse o Evangelho e como comentam de modo admirável os Pais, Mãe de Jesus e de todos os seus discípulos, guia na peregrinação da fé, ícone da Igreja, Mãe universal, Mediadora de todas as graças.
Olhando para Ela, contemplamos uma missionariedade que chega a se expressar desde o acolhimento da fé até a geração de Cristo na nossa carne humana: na raiz, a sua oblação é silêncio aberto ao dom de Deus, que no Fiat, do concebimento do Verbo, o entrega a todos os homens. N’Ela, resplandece uma maternidade que amadurece em compaixão universal (Rainha dos Mártires, Rainha de Todos os Povos) e presença fiel, que acompanha o caminho de toda a história (Theotokos, Virgem de Lourdes, Nossa Senhora de Fátima …). Todos os Mistérios do Santo Rosário o demonstram: a contemplação da vida da Virgem conduz ao encontro com o Seu Filho, da Anunciação à Ascensão ao céu, da Visitação à Oração unânime com os Apóstolos, no Cenáculo, aguardando a efusão do Espírito Santo.
Eucaristia e missionariedade
A contemplação da missionariedade toda especial da Virgem Maria introduz de modo exemplar à percepção da potência efusiva da Caridade. A comunhão universal é antes de tudo dimensão do espírito, e pode se expressar também somente na disposição originária da oração. Pai Nosso …
O dom de Deus feito carne, o Senhor Jesus, veio a nós através da fé humilde e acolhedora da Virgem, permanecendo de modo sacro no Mistério da Eucaristia. Na história do cristianismo, nada além do sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo media o permanecer do Ressuscitado na história de todos os homens, de todos os tempos e de todos os lugares: a presença do Deus conosco, feito pão da Vida, alimento de Salvação, fonte de vida eterna.
A Eucaristia é a expressão sacramental da efusão ontológica da divina Caridade: permanecendo sempre e em todos os lugares no fluir do tempo, encarna sacramentalmente o dom de Deus, que desejado antes do tempo, envolve e cria o tempo, para se realizar nele.
A missionariedade é portanto uma dimensão do espírito: é a atitude de oblação da caridade, que responde no coração do homem, no testemunho da Igreja, ao dom incessante do Amor do Pai, no Filho e no Espírito Santo, sacramentalmente realizado no Mistério da Eucaristia. A Virgem Maria, a discípula acolhedora e fiel de Deus, mediação humana da Encarnação, é a criatura que melhor reflete e exemplifica o acolhimento obediente do homem ao doar-se universal de Deus. (Agência Fides 26/4/2004)