JOÃO PAULO II E A EUROPA de Sua eminência o Cardeal Philippe Babarin, Arcebispo de Lion

Segunda, 20 Outubro 2003

Lion (Agência Fides) – No momento em que a Europa procura as formas de sua unidade política, o pensamento do Santo Padre pode trazer um contributo original. Para João Paulo II, de fato, a Europa não é apenas um dado geográfico externo às nações que a compõe e que sobrepõe em modo mais ou menos harmonioso. A Europa é antes de tudo uma vocação espiritual específica de cada estado que a compõe. É ao mesmo tempo profundamente una e diversa.
Qual é o segredo desta tensão entre unidade e diversidade? Uma leitura rápida dos documentos pontifícios, em particular as homilias pronunciadas nas diferentes capitais européias, faz emergir um fio condutor subterrâneo. Este fio condutor é a articulação, de todo original, do pensamento do Santo Padre, das relações entre a cultura e a política.
Antes de ser política, a unidade européia é um fenômeno cultural: as divisões que obscureceram no curso dos séculos a identidade da Europa são bem conhecidas. Separações confessionais, crescimento de nacionalismos que subsistem progressivamente a idolatria da nação a um saudável patriotismo. Mas estas posições políticas não conseguiram fazer desaparecer a unidade cultural de um continente que soube forjar, no curso de sua história, um patrimônio comum de valores éticos e de experiências religiosas.
O pensamento do Santo Padre projeta sobre toda a Europa, em maneira quase que visionária, aquilo que ele viveu quando o seu País pode sobreviver graças apenas à sua cultura. Sabe-se que a escolha de fazer viver a cultura polonesa através do teatro foi para Karol Wojtyla uma forma autêntica de resistência política. É esta mesma instituição que o Papa João Paulo II reclama cada vez que lembra que as responsabilidades políticas atuais são enraizadas em uma cultura comum fundante.
Os regimes políticos das diversas nações podem mudar, os interesses podem ser até mesmo antagonistas, mas a Europa permanece sempre uma comunidade cultural formada por uma tradição plurisecular. É diante desta continuidade transcendente aos Estados que o Papa recorda, a cada País, a todos os governos, a própria responsabilidade no tempo presente. Porque se esta continuidade cultural se impõe a cada estado, essa se impõe do interno e não do externo: cada Estado é um seu próprio modo específico uma concretização política da única cultura européia. Cada capital é, como ama lembrar João Paulo II, ao mesmo tempo, capital de um país em particular e capital européia. Nas diversas mensagens dirigidas à França durante as suas visitas pastorais, o Santo Padre jamais deixou de destacar esta dupla identidade de uma capital como Paris: capital de um País e ao mesmo tempo, uma das capitais do continente europeu. A diversidade deriva portanto da própria riqueza da cultura européia: cabe a cada País realizar a sua específica forma de ser membro da Europa.
Mais do que qualquer outro, o Papa sabe o quanto pode ser frágil uma cultura: ocorrem séculos, e por vezes milênios, para construir uma cultura; podem bastar poucas gerações para destruí-la. O sucessor de Pedro tem uma consciência viva sobre a responsabilidade histórica do papado na lenta construção da cultura européia: ele tem uma consciência assai viva da fragilidade desta construção, ameaçada mais do que nunca, pelas tentações de desvios baseadas no argumento de identidade. O perigo destes desvios é de despedaçar os laços que, através da cultura, deve unir o político e o espiritual. Porque é sem dúvida lá que se encontra a base da visão européia do Santo Padre: aquilo que é verdade de cada continente, o é me modo mais específico, pelo peso de sua história, da Europa.
A insistência do Santo Padre sobre o papel antropológico da cultura, perceptível na encíclica “Fides et ratio”, é em primeiro lugar, uma insistência sobre a mediação entre o espiritual e o político. A cultura é o elemento decisivo desta relação sempre problemática entre a dimensão espiritual e a dimensão política da Europa. A vontade do papa de promover o papel original da Igreja na cultura deriva desta intuição central: a cultura permite encarnar na política a vocação espiritual de uma continente. “França, filha primogênita da Igreja, o que fez de seu batismo?” Esta pergunta a Igreja a dirige a toda a Europa através da França; ela se dirige á França não apenas pela sua história, mas pela sua responsabilidade atual na construção de uma unidade política que seja verdadeiramente expressão de uma vocação espiritual.
Em 25 anos de incansável Magistério, foram delineados com firmeza as características desta vocação espiritual que se deve encarnar em orientações políticas coerentes. “O Papa dos direitos do homem”: é em cada campo que João Paulo II mostrou que estes direitos são indivisíveis, e que a liberdade religiosa é a pedra angular da unidade orgânica destes direitos. Ele recordou que a importância política dos direitos do homem encontra a sua orientação, o seu eixo na liberdade religiosa que transforma estes direitos em deveres em relação a Deus. Já onde a cultura européia procura ainda a articulação fundamental entre direitos do homem e deveres em relação a Deus, o Papa retoma a intuição do Concílio Vaticano II para lembrar à Europa que a promoção da liberdade religiosa, valor principal na história do continente, é o ponto decisivo de mediação. Não podem haver direitos humanos sem o dever para o homem de ser realmente livre diante de Deus e para Deus. Neste sentido, a Europa, através de sua influência cultural e a sua ação política, continuar a testemunhar a sua vocação espiritual.
esta reflexão fundamental, desenvolvida após o célebre discurso de 1980 à Unesco, é integrada à exortação à esperança, cujo vértice é dado da carta pós sinodal “Ecclesia in Europa” (junho 2003): “ Sê vigilante e consolida o que resta...” (Ap 3,2). As nossas comunidades eclesiais (...) têm necessidade, também elas, de ser novamente a voz dos Apóstolos que as convida à conversão, que as estimula a lançar-se com audácia sobre as novas estradas, que as chama a empenhar-se na grande obra da “Nova Evangelização”. É assim que Jesus Cristo chama as nossas Igrejas na Europa à conversão, e tornar-se-ão então, com o Senhor e pela força de sua presença, portadora de esperança para a humanidade” ( n 23). João Paulo II saca a força e ímpeto de sua esperança do texto do Apocalipse que constitui a trama espiritual deste eixo.
A lembrança mais significativa do apelo lançado por João Paulo II à Europa em todo o seu Pontificado é talvez o discurso que pronunciou em Santiago de Compostela, em 1982: “Eu, Bispo de Roma, e Pastor da Igreja Universal..., dirijo a ti, velha Europa, um grito pleno de amor: Reencontre a tua origem. Seja si mesma. Redescubra as tuas origens. Reaviva as tuas raízes...Tu podes ser ainda um farol de civilidade e uma inspiração de progresso para o mundo. Os outros continentes te olham e esperam também de ti a resposta que São Tiago deu a Cristo: “ Sim eu posso”’.
(Agência Fides)


Compartilhar: