VATICANO - AS PALAVRAS DA DOUTRINA, do pe. Nicola Bux e pe. Salvatore Vitiello

Quinta, 23 Fevereiro 2006

Cidade do Vaticano (Agência Fides) - Liberdade religiosa. Damos início hoje a esta nova seção semanal intitulada «As palavras da doutrina» e parece-nos útil e apropriado iniciar com um tema que, com muita vivacidade, é debatido nos dias de hoje, inclusive pelas particulares circunstâncias histórico-culturais e internacionais que somos chamados a viver.
A liberdade religiosa imerge historicamente as próprias raízes em um passado remoto, onde esta se identifica como reivindicação dos fiéis do direito de professar a própria fé em relação à autoridade constituída e ao clima cultural dominante.
As civilizações da antiguidade não conheciam a exigência de uma distinção entre a esfera civil e aquela religiosa. O soberano, nessas civilizações, coincidia com a divindade, vindo a constituir o ponto de convergência do sagrado e do profano, do civil e do religioso. Tal concepção filosófico-religiosa permeou também a juridicamente evoluída civilização romana, na qual a reivindicação imperial da divindade representou uma verdadeira obrigação legal-moral para o povo, que revelava a lealdade ao estado.
Entre as culturas antigas, é a hebraica a introduzir uma primeira distinção entre a obediência a um poder constituído, que reivindica prerrogativas divinas, e a obediência à própria consciência e a quanto por essa requerida. A verdadeira novidade no panorama histórico, filosófico e jurídico da antiguidade é constituída pelo cristianismo, que reivindica a liberdade de não queimar o incenso ao imperador e de professar a fé em Jesus Cristo.
Tertulliano escreveu, com singular incisividade: «Façam atenção que não seja um crime de sacrilégio tirar dos homens a liberdade de religião e proibir-lhes a escolha das próprias divindades. Ou seja, o não permitir de honrar quem se quer honrar» (Apologeticum, XXIV, 6).
O princípio de distinção entre esfera civil e esfera religiosa foi introduzido na história da humanidade pelas palavras de Jesus Cristo: «Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21).
O testemunho do martírio dos cristãos nos primeiros três séculos da nossa era é uma das mais significativas páginas da história da liberdade religiosa, que deve sempre ser defendida e reivindicada a qualquer preço. Uma história na qual liberdade religiosa e liberdade de consciência, mesmo distintas filosoficamente, se entrelaçam historicamente, mostrando como os dois conceitos sejam absolutamente inseparáveis, ou melhor, se relacionam em uma clara circularidade de recíproca justificação.
A liberdade religiosa se apresenta assim como um elemento constitutivo da pessoa humana, seu direito nativo e natural, indisponível a qualquer impedimento externo, seja de caráter estatal e público, seja de tipo relacional-interpessoal. O único «condicionamento» tolerado pela liberdade religiosa é o da obediência e da coerência com a própria consciência, em harmonia com o reto uso da razão, que busca a verdade e vive segundo a verdade encontrada e no respeito da ordem pública. De tal «ordem» são parte integrante o respeito pelo outro e o conhecido princípio de reciprocidade.
A positivização jurídica da liberdade religiosa vê, na idade contemporânea, um florescer de declarações, documentos internacionais e constituições estatais, na qual é quase que definitivamente afirmada como direito inalienável. As ideologias do século XX, o renascimento dos integralismos religiosos e uma certa difundida mentalidade ideologicamente próxima de posições laicistas, incapazes de autêntico diálogo, constituem o pano de fundo no qual, inclusive no coração da chamada «pós-modernidade», é possível fazer experiência de graves violações da liberdade religiosa, mostrando como esta representa sempre um princípio a ser defendido com indômita vigilância.
A plena recuperação do tema por parte da declaração Dignitatis humanae do Concílio Vaticano II (AAS 58-1966, 929-946), que funda o direito à liberdade religiosa sobre a dignidade da pessoa humana e requer pleno reconhecimento às ordenações jurídicas das sociedades, seja para os indivíduos, seja para as comunidades, representa uma imprescindível contribuição à compreensão da natureza da própria liberdade religiosa. O texto conciliar deve ser, todavia, compreendido à luz de uma precisa circunstância histórica (a condição dos cristãos perseguidos nos regimes totalitários do século XX) e de uma imprescindível condição teológica: a exclusão de qualquer forma de pluralismo teocêntrico que tende a colocar todas as religiões no mesmo plano da verdade. Se os homens que as professam têm os mesmos direitos e dignidade, a questão da verdade não é, em nenhum caso, arbitrária. Com o início do pontificado de Bento XVI, felizmente nos encontramos no «diálogo da verdade». Este se funda necessariamente no reconhecimento compartilhado - contra qualquer pretensão relativista - que a Verdade foi revelada e se tornou compreensível aos fiéis. (Agência Fides 23/2/2006)


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